sexta-feira, março 23, 2007

Muscas en la casa

Nina estava no hospital, em meio a sangue e sombras na imensidão do branco e do silêncio e de bloqueadores químicos contra a dor. Eu não sabia, estava em casa, era dia de folga, era dia de dormir um pouco mais e acordar depois dela sair e demorar na mesa do café, ler as notícias, ouvir alguma música e ler um bilhete deixado sobre o jornal com aquilo que Nina precisava pra casa, ou pra ela, ou pra nós.

Uma vez ela deixou simplesmente "Quero ouvir a Janis quando chegar e te encontrar de banho tomado. Ah, antes disso, tá faltando sabão em pó."

Eu já sabia que naquele dia iria fazer uma pequena feira atrás de brócolis, tomates, cebolas e bananas - Nina adorava bananas no café e depois da janta. Mas tinha que ser banana prata, porque banana d'água a deixava enjoada e ela ia ralhar comigo depois.

Nina precisava sair cedo porque o trânsito engarrafava, e ela não era uma pessoa muito tratável diante do volante. Virava um autêntico centroavante diante de gol legal suspeitamente anulado, não havia mãe em sua boca que pudesse passar incólume. Mas naquele dia após um motoboy fechar sua preferência e o carro encontrar outro e a calçada e por fim uma árvore, ela apenas chorou feito cão desmamado, ou melhor, ganiu lágrimas. Porque logo apareceu o sangue e ela viu o sangue esvair pela calcinha e então desmaiou.

Alguém tratou de chamar ambulância, uma viatura encostou. Ela foi levada pro hospital e por aquela hora eu deveria estar no banho antes de tomar café. Na confusão alguém teve presença de espírito o suficiente para afanar o celular que ia perto do câmbio e só me ligaram do hospital quando me levantava para guardar a louça do café. As palavras acidente e hospital soaram impossíveis. O carro estava em meu nome e pelo registro chegaram a mim. Ela está estável mas parece que perdeu o bebê.

Aí me dei conta que fui pai sem nunca ter sido. Me dei conta de palavras e sorrisos que pareciam algo mais. Me dei conta que moscas atacavam a toalha de mesa.